segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Corrente de Reviews 2013 - Fetish


Hora da participação do blog na Corrente de Reviews.

"Que tipos de mistérios aterrorizantes as pessoas esconder por trás de certas fachadas?" é algo como um tema corrente no oneshot josei Fetish, da autora Kaoru Fujiwara, publicado na Feel Young em 2004. O mangá foi recomendado para o Across the Starlight pelo blog Mangathering durante esta Corrente de Reviews 2013 organizada pelo Anikenkai.

Basicamente, Fetish é uma coletânea de cinco histórias curtas visando o terror psicológico, combinando uma narrativa eficiente, intencionalmente dúbia e situações com um toque surreal. Embora a qualidade entre cada capítulo varie, há algo de excelente na atmosfera que Kaoru Fujiwara consegue criar, que leva o leitor a ponderar o significado de cada uma das histórias, procurar no que não é dito em palavras e imaginar que tipo de conexão há entre elas, mas já aviso: este não é um exercício fácil.

Notavelmente a obra é uma coletânea com o objetivo de aterrorizar de forma mais sutil (ou seja, não esperem qualquer tipo de gore na narrativa), mas várias vezes me peguei imaginando se a autora não estava tentando passar alguma mensagem que fui incapaz de captar em meio a várias camadas executadas em um espaço de poucas páginas.

Sendo uma coletânia de one-shots em um único volume, farei um pouco diferente e comentarei cada um deles (Aviso: alguns spoilers leves):

Nossa Vasta Solidão


"Por um longo tempo, tenho me inclinado a perder coisas. Tenho perdido as coisas que me são mais importantes. É sempre após perdê-las que noto o quão significantes são as coisas que tenho perdido-

"E elas então voltam para mim."

Um jovem aspirante a escritor envolve com uma moça mais velha, até que a decisão de abandoná-la para poder focar em seu novo projeto tem consequências drásticas.

Uma das minhas favoritas da coletânea, esta primeira história tem a mensagem mais acessível: sobre como às vezes não tratamos coisas e principalmente pessoas da forma que elas merecem e só nos tocamos disso depois que as perdemos. Ainda assim, o fato da narrativa ser direta não impossibilita a presença de certas nuances: houve mesmo uma relação entre o escritor e a garçonete ou será que a bebida e o descaso dos pais estimularam sua imaginação? A forma como o texto é vago abre espaço para certas especulações (e eu posso muito bem estar enxergando demais aqui), mas não desloca o leitor da mensagem principal.

Carta de Amor


"Há algum tempo, eu tenho visto eu mesma... com quando estava cega e andando de bengala."

Uma moça cega, após um transplante de córnea, volta a enxergar; porém, ao andar pelas ruas, descobre que consegue ver seu antigo "eu" antes da operação.

Esta segunda história brinca com a ideia de memória celular - uma hipótese em que células além dos neurônios são capazes de guardar memórias, hábitos, interesses e gostos de uma pessoa. Só que, ao invés de romantizar de forma mais típica um transplante de órgãos, a ideia aqui é colocá-lo em uma situação que ele se torna assustador, uma carta de amor distorcido. É uma narrativa que gira em torno do fator de choque, mas infelizmente não vai muito além dele.

Tudo de Sully/Lilly


"Quando a hora chegar, protegerei minha filha!"

Um homem rico, marcados pelas mortes e deformidades das pessoas importantes de sua vida, cria um clone de sua filha que pretende utilizar como uma fonte de "peças de reposição da original".

Como diria a expressão em inglês, essa história é "Fucked up", provavelmente a mais chocante das cinco. Já aviso de cara que é a única do oneshot recomendada para maiores de 18 anos, contendo cenas de sexo explícitas, incesto e estupro - haja trigger warnings. Definitivamente não é para quem tem estômago fraco.

Além disso, é também a história mais complicada, levando em conta a alternância de sequências entre a filha e o clone e o fato de que as intenções do patriarca não são tão simples quanto parecem. Ainda assim, toca em temas como amor distorcido, a obsessão por virgindade como uma forma de pureza e até a desumanização do clone (figura constantemente utilizada como plot device em ficção). Ainda que seja um tanto incômoda para meus gostos, Tudo de Sully/Lilly tem ideias que volta e meia me fazem revisitá-la mentalmente.

Aeroporto


"Por favor... Não escolha meu táxi...!"

Um taxista leva uma estranha mulher grávida até o aeroporto, até reencontrá-la e notar algo diferente.

Provavelmente a mais fraca da coletânea, também a mais curta. Há um jogo psicológico que leva o leitor a questionar uma possível paranoia do taxista, o que torna tudo propositalmente confuso, mas não há muito o que absorver aqui, nem em fator de choque.

Fetiche


"Tenho o sentimento de que tudo isso é um pacote de mentiras."

Uma jovem, após sofrer um acidente, encontra-se com um rapaz que se interessa por ela. Ao visitá-lo, porém, descobre em sua casa um álbum cheio de fotos... De mulheres feridas, em bandagens.

O final de Fetish parece seguir a regra do "deixar o melhor para o final", em que a história com o mesmo título da coletânea é a mais intrigante. A ideia é brincar com as percepções da protagonista, que, construída de forma a sua solidão parecer simpática ao leitor (não é difícil imaginar que seu acidente não tenha sido um simples "acidente"), descobre-se vítima do que acredita ser uma paranoia, sem saber que sua imaginação a levou mais perto da verdade do que imaginava. É uma história eficiente em transmitir a ideia de "nem tudo é o que parece", encerrando de forma marcante o trabalho da autora neste volume único.

Considerações finais

É bem difícil recomendar Fetish. A arte tem pegada simples mas realista, embora alguns character designs pareçam repetitivos de uma história para outra; a qualidade entre cada capítulo varia e às vezes a ambiguidade pode tornar algumas das histórias, apesar da excelente atmosfera, um tanto difíceis de absorver. Como disse acima, eu mesma me senti em dúvida quanto aos objetivos da autora várias vezes e não posso dizer se deixei algo passar ou se talvez tenha enxergado demais. É uma obra que causa sentimentos mistos.

Seria então Fetish um mangá no típico caso "estilo sobre substância"? Honestamente, sim. Mas isso não significa exatamente algo ruim, levando em conta o escopo de algo que começa e se encerra em um único volume. Ver estilos narrativos postos a teste num curto espaço de tempo - seja em animação ou quadrinhos - pode ser instigante e Fetish definitivamente deixou uma marca na memória. Sou grata pela indicação e recomendo para quem quer experimentar um material de terror mais focado em tensão psicológica.


E essa é minha participação na Corrente de Reviews. O próximo blog a postar será o CoffeeUnlocked, para o qual indiquei The Tatami Galaxy. Animado pela Madhouse e dirigido pelo famoso Masaaki Yuasa, é provavelmente meu anime favorito entre os transmitidos no bloco Noitamina, excelente em seu uso de time loops (isso não é um grande spoiler, hehe) e em sua abordagem sobre como lidamos com nossas expectativas de vida frente a realidade. Espero que os blogueiros gostem. ^_^

7 comentários:

  1. Saudações


    Obras de cunho mais psicológico tem me chamado a atenção de uns meses para cá. Pode ser influência direta dos posts que leio ou não, mas a realidade é que a vertente existente e buscado me aproximar mais destas obras.

    Parece que "Fetish" pode servir para a causa, pois o pressuposto em seu post me induziu a este raciocínio, Mary. Interessante notar que o mangá em si não tem apenas pontos positivos, e há algumas discrepâncias já esperadas, mas o o seu texto me ajudará imensamente na busca pelo mesmo.

    Bom post, nobre.


    Até mais!

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    1. Fetish é uma leitura rápida, então os pontos negativos não incomodam tanto. Vale a pena para aproveitar o estilo da Kaoru Fujiwara e estudar os vários personagens perturbados da obra. xD
      Agradeço pela visita. ^_^

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  2. Gostei muito da sua resenha. Você tem um jeito formal e sereno de escrever que lembra bem um conto de literatura. Eu sempre preferi mangás e animes que tenham um enfoque no lado mais psicológico da história, porque acredito e sei que grandes animes e mangás são como grandes romances; as verdadeiras histórias não são aquelas que estão sendo contadas diretamente aos olhos do leitor, mas sim aquelas que ficam escondidas na narrativa, dentro da mente dos personagens, e que os leitores devem intuir bem para entender a trama em sua totalidade. Já salvei o seu blog no meu feed e curti a sua página no Facebook. PS: Tatami Galaxy é um ótimo anime!

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    1. Obrigada, fico feliz de causar uma bom impressão :D
      Sim, Fetish exige bastante intuição. Não encontrei muita discussão a respeito das histórias na internet, mas tenho certeza que várias pessoas deram diferentes interpretações.

      Obrigada pela atenção, espero que goste do nosso material. ^_^

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  3. Aqui está o link da review do Tatami Galaxy pra substituir o link que ta mandando pra home: :D

    http://www.coffeeunlocked.com/wordpress/review-the-tatami-galaxy-reviews/

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  4. Minhas saudações,Mary Vanucchi!


    Faz muito tempo desde a última vez que jogamos conversa fora.Pra se ter noção,eu estava em perfil anônimo e tinha comentado em "domingo, 26 de maio de 2013 Visual Novel Review: X-Note",sua postagem pretérita,contudo por um motivo ainda indeterminado,nada expressa essa última tentativa de conversação em que lincava com seu hobby de Visual Novel e com o blog parceiro e "sócio": Hajimari no Sora.E aí,já sabe quem está falando,ou não sabe..? Oo

    A imagem inaugural da postagem me lembrou uma parte que ocorre com todas as plásticas,http://www.youtube.com/watch?v=WBr4iiUkDcw&hd=1,só que no seu caso
    elas representariam o "Durante",contudo numa forma menos sadia de modificação facial e de necessitar de bandagem. ¬¬
    *Nota: Deram-te novamente um manga,porém são generosos contigo por lhe indicar o que lhe renderá bom material;ao menos a premissa sugestiona a esse resultado.

    # Sobre os capítulos:
    . Nossa Vasta Solidão => Envolvente como a forma do "Sistema de Recompensa(Termo da Neurociência,no entanto praticamente autoexplicativo)" da sedução ser mais do que romântico-sexual: Distorção da realidade pra convencer na perda e inexistência,conquista e daí perda de interesse,"seduzir a juventude doutro".Interessante passionalidade e sociopatia.

    . Carta de Amor => **SPOILER** A compensação sensorial da cegueira não foi tão tão tão.Pode se reconstruir os passos do maluco(ou maluca),'mas infelizmente não vai muito além dele.',exemplificando também no como o órgão do doador veio parar nas mãos dela.**FIM DE SPOILERS** Gostei da possibilidade da história "2 em 1".

    . Tudo de Sully/Lilly => É exagerado(em termos) nas exemplificações,no entanto Sigmund Freud não se chocaria com a perplexidade sexual,penso que daria uma de Sherlock Holmes: "Elementar,meu caro Watson".Referências famosamente literárias e da Psicologia,expandem muito o tema.Teve esse contato?

    . Aeroporto => "Interjeição interrogativa AQUI".Ele se revelou tão convicto;terá ele viajado mais alto e distante do que as aeronaves??Vou assumir que tem muita chance de ser ela,contudo ela não chegou tão longe na esteira(Aspas... ou não.Tem que ler pra saber ;p).

    . Fetiche => Além de "nem tudo é o que parece",também adicionaria "é o que parece" a fórmula.É um arremate digno pro volume do mangá,dá título,é crível etc.**Spoiler: O fluxo se mantém -ou já começou,por ser o capítulo título- cíclico.**

    Enfim,achei digna a proposta generosa de tornar o leitor um "leitor-narrador-escritor" com as lacunas estratégicas.Também vi o character designer como muito igual,onde eu pensar que "poderia acontecer com qualquer um",devido às semelhanças físicas,reconforta-me.
    Me foram amostras estimulantes,"a interesting challenges",meio que não se sente subestimando,o leitor,porém o convida a participar em construções como dei a entender no início desse parágrafo.E antes que me esqueça,eu baixei aqui(se não se importa com o link): http://www.mediafire.com/download/9d13vqietjrcjx3/fet01.rar

    Para fechar,quem te tira no sorteio costuma ser cordial contigo e no fim das contas.^_^ Exs: Anormalidades,eventualidades...
    No teu caso,preparou a leitura ao manga com um "charmoso despreparo",sua vontade de não pesar spoilers me soou como uma travessura de quem sabia mais do que dizia,mas não quis estragar o mistério com respostas diretas. :P


    E já que não posso te achar com a mesma sazonalidade,até para outros pensamentos de coisas que já resenhaste,por exemplo...
    A gente se vê algum dia em algum lugar,garota dos "alguns spoilers leves"... ^^

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